maio 13, 2010

Crónica Semanal de Leonor Pinhão

In ABola

O treinador que não sabia, não via, porque «estava a olhar para o chão»

Utilizando um tom místico só ao alcance de quem tem contactos privilegiados com entidades superiores, Paciência falou na véspera do dia da decisão do título para afirmar que se o Benfica já tinha marcado «mais de cem golos» e ainda não era campeão só poderia significar que «alguma coisa estava para acontecer».

E aconteceu mesmo. No domingo o Benfica conquistou o 32.º título da sua História e na segunda-feira a Bolsa de Lisboa teve o seu máximo histórico, registando a maior valorização de sempre numa só sessão, fechando a ganhar 10,73% com o valor das empresas cotadas a subir 5,5 mil milhões de euros. Só podia ser a esta «desigualdade de orçamentos» que o treinador do Sporting de Braga se referia quando, no final do jogo com o Nacional, lamentou as coisas estranhas que levaram o Benfica ao título.

Tinha razão, pois, Domingos Paciência. Foi um campeonato com muitas coisas estranhas que começaram à entrada do túnel de Braga, à estalada, e acabaram à saída do túnel do Marquês, com fogo-de-artifício. Como ambas as ocasiões foram profusamente documentadas, e em directo, pelas estações de televisão de serviço, não há mais nada a acrescentar.

Aliás, este campeonato de 2009/2010 foi, sobretudo, uma prova marcada por imagens televisivas inesquecíveis. Golos marcados depois de a bola ter andado por fora das quatro linhas, grandes penalidades aos 97 minutos de jogo, túneis para todos os gostos… Curiosamente, quando era treinador da União de Leiria, Domingos ligava pouco ou nada a estes pormenores, dentro ou fora do relvado. Lembram-se? Nos grandes momentos, nos mais emocionantes, Domingos olhava para o chão.

Num célebre jogo com o FC Porto, Quaresma foi expulso depois de uma agressão a Tixier, jogador da União de Leiria que era, recorde-se, a equipa que Domingos treinava. Os técnicos, os dirigentes e os jogadores do FC Porto protestaram com grande veemência a expulsão de Quaresma e, no fim do jogo, uns jornalistas mal-intencionados atreveram-se a perguntar a Domingos a sua opinião sobre o lance. Pois não teve nenhuma opinião. Limitou-se a dizer:

— Não sei, não vi, estava a olhar para o chão.

É este mesmo Domingos Paciência, um modelo de atenção, contabilidade e vigilância, amante da justiça desportiva, que ainda não parou de tentar desmerecer o título merecidamente ganho pelo Benfica, expondo, por entre lágrimas, um relambório de benefícios aos novos campeões que se inicia e culmina, nas suas próprias palavras, naquele momento decisivo em Agosto, quando o Benfica ganhou em Guimarães com um golo no tempo de descontos, nascido de uma falta «que não existiu».

De facto, quando um homem levanta finalmente os olhos do chão, se o dia estiver claro, límpido, transparente, até consegue ver as ilhas Berlengas do alto da Torre dos Clérigos.

Nós, benfiquistas, vimos no domingo muitas imagens de praças, rotundas, avenidas e túneis. Mas faltou-nos a imagem de um túnel especial. O túnel do estádio dr. Rui Alves, mais conhecido pela Choupana, no final do jogo entre o Nacional e o Sporting de Braga. Gostaríamos de ter visto os cumprimentos trocados entre Manuel Machado e Domingos Paciência, os treinadores que mais embirraram com o nosso Jorge Jesus ao longo do campeonato, e que acabaram a prova em maré de fel. Machado perdendo a qualificação para a Liga Europa por 2 pontos e Paciência perdendo o título para o Benfica por 5 pontos.

Muito aborrecidos deviam estar Paciência e Machado no túnel da Choupana. Enquanto isso, no centro do Funchal, os adeptos do Marítimo, que se qualificou com todo o brilho para a Liga Europa, e os adeptos do Benfica, campeões, festejavam em conjunto os dois sucessos dos seus respectivos emblemas. Mas desta festa houve imagens. E bem bonitas.

Têm toda a razão os adversários do Benfica que não se conformam com este 32.º título conquistado nos «bastidores». O Benfica, dizem eles, não jogou nada ao longo da época, marcou mais de 100 golos em posição de fora-de-jogo, o Benfica manda na Liga e, agora, para cúmulo, até manda na Selecção Nacional.

Andam por aí os teóricos, muito distraídos, a festejar o facto de o Benfica só ter um elemento seu na equipa de ases escolhida por Carlos Queiroz.

Aparentemente, Fábio Coentrão é o único benfiquista no Mundial da África do Sul.

Como andam enganados… Levantem já os olhos do chão!

Então e o Ricardo Costa, não é nosso?

Estarão, porventura, convencidos de que o Ricardo Costa que o professor Queiroz convocou é aquele rapaz defesa-central que jogou no Wolfsburg e que agora tem jogado no Lille?

Claro que não é. O Ricardo Costa da Selecção é o mesmo dr. Ricardo Costa, presidente da Comissão de Disciplina da Liga, outro grande benfiquista acusado, pelos nossos tristonhos e impolutos adversários, de ter agredido dois stewards no túnel da Luz disfarçado de Hulk e de Sapunaru.

Ele, no fundo, também joga à bola. E é por isso mesmo que vai à África do Sul.

Força Ricardo Costa! Fábio Coentrão, não estás sozinho!

O maior derrotado da última jornada do campeonato de 2009/2010 foi o Sporting. Como assim, se o Sporting até ganhou ao Leixões, em Matosinhos, garantindo a distância de 28 pontos em relação ao Benfica?

Se há dúvidas sobre o facto de ter sido o Sporting o grande derrotado da última jornada, o melhor é colocar a questão aos sócios e adeptos do valoroso Vitória de Guimarães, emblema que, conduzido por Paulo Sérgio, ia muito bem lançado para a conquista de um lugar na segunda competição de clubes da UEFA, até ao momento em que o mesmo Paulo Sérgio foi contratado para ser o próximo treinador do Sporting.

Veio tudo por água abaixo. E não se pense que Paulo Sérgio se desconcentrou ou que prestou menor atenção ao dia-a-dia vimaranense quando soube que tinha pela frente a missão de treinar o Sporting em 2010/2011.

Nada disso. Paulo Sérgio é um treinador competente e um excelente profissional. Mas, tal como já disse José Eduardo Bettencourt, «este ano, ao Sporting, não houve nada de mau que não acontecesse». E o Vitória de Guimarães, sem ter nada a ver com isso, apanhou por tabela. Foi o efeito dominó.

A vitória do Atlético de Madrid na Liga Europa é um motivo de satisfação para os benfiquistas. Por Simão Sabrosa, por Reyes e, também, por Quique Flores que saiu no ano passado da Luz debaixo de um tremendo aplauso apesar de não ter sido campeão.

O Atlético de Madrid deve muito este seu triunfo europeu ao facto de ter passado os primeiros cinco meses da época sem jogar rigorosamente nada, num descanso total, o que lhe permitiu reunir as forças necessárias para este sensacional final de temporada.

O Benfica, este Verão, não pode ter um arranque tão poderoso e convincente como o do ano passado. Ainda assim conseguimos ganhar o campeonato e a Taça da Liga, mas já não houve pernas para a Taça de Portugal e para a Liga Europa. 

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