Não é Ronaldo, é Javi García quem faz muita falta ao Real
Estão, contudo, profundamente enganados.
Na noite de véspera, no Estádio da Luz, o diagnóstico da doença do Real Madrid já tinha sido traçado, com precisão científica por Rui Costa. Assim que o jogo com a Naval acabou, o jovem director desportivo do Benfica entrou em campo e correndo para Javi García abraçou-o, beijou-o e puxou-lhe as orelhas num gesto de grande carinho. Compreende-se a reacção de Rui Costa. Imagine-se só o que terá ouvido quando em Julho gastou 7 milhões de euros com um «nabo» espanhol, suplente do Real Madrid…
Nas bancadas, o público não se cansava também de aplaudir o autor do golo que, a um minuto do fim, garantiu a vitória ao Benfica. Que bem que ele afinal joga. E que bem que fala.
— Foi uma honra para mim ter marcado este golo — disse escolhendo tão bem as palavras que até dá vontade de lhe puxar as orelhas, com carinho.
E, satisfeitos, os benfiquistas regressaram a casa já entretidos a conversar sobre o próximo compromisso da Selecção Nacional.
— Não sei se o Cristiano Ronaldo faz mais falta à Selecção se ao Real Madrid… — lançou o mote um intelectual dos nossos.
— Quem faz falta ao Real Madrid é o Javi García não é o Cristiano Ronaldo! — logo o interrompeu um outro, ainda mais intelectual.
E com muita razão. Pelo menos foi essa a opinião de toda aquela gente.
Por falar em fazer falta… José Eduardo Bettencourt, quando Paulo Bento se despediu, disse que 90 por cento dos sportinguistas já sentiam saudades do treinador e que, num curto espaço de tempo, seriam 100 por cento dos sportinguistas a ter saudades de Bento. Missão cumprida, já são 100 por cento! Ao assumir penosamente sozinho o discurso oficial do Sporting, Paulo Bento desgastou-se de um modo absurdo mas, honra lhe seja feita, protegeu os sportinguistas dos discursos do seu presidente. Sem Paulo Bento, Bettencourt tem sido o orador de serviço. Já nos informou que o perfil do próximo treinador será «do sexo masculino, caucasiano», que a agitação que se vive em Alvalade «tem a ver com a cultura visigótica», infelizmente mais radicada «a norte do Tejo», porque «entre os visigodos, o pai puxava as orelhas a quem se portava mal e tudo ficava em ordem», terminando por lamentar que não se possa «mudar a sede social de Lisboa para o norte…»
A falta que faz Paulo Bento.
PS: Robert Enke esteve três temporadas no Benfica e quando o seu contrato estava a chegar ao fim foi muito claro com o clube e com os adeptos que sempre o estimaram. Não quis renovar e não se quis entregar nas mãos de nenhum empresário. Considerava-se, e bem, o dono da sua vida, jogava com a carta na mão e era livre de ir para onde quisesse sem dar troco a terceiros. No final da temporada de 2001/2002, quando o árbitro apitou para o fim do último jogo que faria no Estádio da Luz, Robert Enke antes de recolher à cabina resolveu despedir-se dos adeptos do Benfica e, sozinho, deu uma volta ao estádio aplaudindo e sendo aplaudido. Foi um momento bonito e raro de um jogador que, sendo dono da sua vida, se despediu com carinho de quem tanto gostou dele. Contente ele, contentes ficaram todos. Anteontem à noite, numa passagem de nível em Eilvese, nos subúrbios de Hannover, Robert Enke, o dono da sua vida, foi-se embora de vez. Triste, tão triste ele e todos tão tristes.
Não é pecado mudar de opinião. Não só não é pecado mudar de opinião como é uma alegria, uma prova de apurada sensibilidade e de inteligência prática. O mundo muda e nós também. De outra forma seria uma sensaboria.
Neste capítulo, o que o futebol tem de maravilhoso é que havendo jogos todas as semanas, todas as semanas mudamos de opinião face à avalanche de novos factos produzidos em noventa minutos, mais o tempo de compensação. Por todo o mundo onde se joga à bola, cada jornada atira com os adeptos para um caldeirão de realidade diferente do caldeirão da realidade anterior.
Tomemos por exemplos dois dos maiores clubes do mundo: o Real Madrid e o SLBenfica. Oficialmente não se cruzam em disputas no relvado há mais de quarenta anos, mas os dois gigantes ibéricos têm mantido ao longo das respectivas histórias alguns pontos em comum que implicam, pois com certeza, fabulosas mudanças de opinião num campo e no outro.
Recuemos até ao último Verão. E como fazia calor.
Em Madrid era recebido com honras faraónicas o português Cristiano Ronaldo. O estádio Santiago Bernabéu albergou uma multidão delirante só pelo prazer de ver Cristiano Ronaldo, equipado de branco, subir a um palanquim e pronunciar umas palavras num portunhol que a ocasião plenamente justificava.
Naquele momento nenhum adepto do Real Madrid duvidou, por um instante que fosse, da temporada de glória que tinha pela frente. As opiniões nem se dividiam: não haveria equipa no mundo que conseguisse, sequer, empatar um jogo com los blancos. Nas imediações de Chamartín, os que não conseguiram lugar no estádio torciam as mãos em desespero e corriam para os botequins mais próximos para assistir pela televisão à entronização do apolo madeirense.
Em Lisboa, o ambiente era diferente, muito diferente.
Ao Estádio da Luz acabara de chegar um espanhol de Chamartín. E se não esteve no estádio Santiago Bernabéu, com os seus, a deleitar-se com a apresentação de Cristiano Ronaldo, não foi porque tivesse chegado tarde à cerimónia. Foi porque não tinha, objectivamente, lugar. Não tendo lugar, não viu nada e foi mandado para Lisboa, depois de vendido ao Benfica.
As opiniões dos benfiquistas, naquele momento, não foram nada simpáticas. Estávamos no Verão, como se recordam, e pelas praias, de toldo para toldo, lamentavam-se em voz alta entre o irónico e o céptico:
— Isto é incrível, demos 7 milhões de euros por um suplente do Real Madrid!
— Isto é que é deitar dinheiro à rua!
— Mas quem é este Javi García?
— É um nabo qualquer que eles para lá tinham… 7 milhões de euros, francamente!
— Fez só três jogos na época passada…
— Nesse caso deve vir descansadinho… — e esta foi, ainda assim, a opinião mais positiva com que a notícia da contratação do «nabo» espanhol foi encarada em Portugal no mês de Julho.
Agora que Novembro já vai quase a meio, as opiniões mudaram. Mudaram em Madrid e mudaram em Lisboa. E neste início de semana, sem exagero ou com exagero, como preferirem, as opiniões radicalizaram-se nas duas capitais.
Em Madrid, encheu-se outra vez o estádio Santiago Bernabéu mas, desta vez, não foi para ver Cristiano Ronaldo. Foi para garantir à equipa do Alcorcón, da II Divisão B espanhola, uma prolongada ovação assim que terminou o jogo da segunda mão dos 16-avos-final da Taça do Rei. Os alcorcónenses, que tinham goleado, em casa, com grande exagero por 4-0, aguentaram-se com grande valentia no campo mítico do adversário e afastaram, sem exagero, o Real Madrid da famosa competição.
— No entiendo cómo ocurrió…
— Que falta nos hace Ronaldo… — queixavam-se os adeptos do Real na noite de terça-feira.Neste capítulo, o que o futebol tem de maravilhoso é que havendo jogos todas as semanas, todas as semanas mudamos de opinião face à avalanche de novos factos produzidos em noventa minutos, mais o tempo de compensação. Por todo o mundo onde se joga à bola, cada jornada atira com os adeptos para um caldeirão de realidade diferente do caldeirão da realidade anterior.
Tomemos por exemplos dois dos maiores clubes do mundo: o Real Madrid e o SLBenfica. Oficialmente não se cruzam em disputas no relvado há mais de quarenta anos, mas os dois gigantes ibéricos têm mantido ao longo das respectivas histórias alguns pontos em comum que implicam, pois com certeza, fabulosas mudanças de opinião num campo e no outro.
Recuemos até ao último Verão. E como fazia calor.
Em Madrid era recebido com honras faraónicas o português Cristiano Ronaldo. O estádio Santiago Bernabéu albergou uma multidão delirante só pelo prazer de ver Cristiano Ronaldo, equipado de branco, subir a um palanquim e pronunciar umas palavras num portunhol que a ocasião plenamente justificava.
Naquele momento nenhum adepto do Real Madrid duvidou, por um instante que fosse, da temporada de glória que tinha pela frente. As opiniões nem se dividiam: não haveria equipa no mundo que conseguisse, sequer, empatar um jogo com los blancos. Nas imediações de Chamartín, os que não conseguiram lugar no estádio torciam as mãos em desespero e corriam para os botequins mais próximos para assistir pela televisão à entronização do apolo madeirense.
Em Lisboa, o ambiente era diferente, muito diferente.
Ao Estádio da Luz acabara de chegar um espanhol de Chamartín. E se não esteve no estádio Santiago Bernabéu, com os seus, a deleitar-se com a apresentação de Cristiano Ronaldo, não foi porque tivesse chegado tarde à cerimónia. Foi porque não tinha, objectivamente, lugar. Não tendo lugar, não viu nada e foi mandado para Lisboa, depois de vendido ao Benfica.
As opiniões dos benfiquistas, naquele momento, não foram nada simpáticas. Estávamos no Verão, como se recordam, e pelas praias, de toldo para toldo, lamentavam-se em voz alta entre o irónico e o céptico:
— Isto é incrível, demos 7 milhões de euros por um suplente do Real Madrid!
— Isto é que é deitar dinheiro à rua!
— Mas quem é este Javi García?
— É um nabo qualquer que eles para lá tinham… 7 milhões de euros, francamente!
— Fez só três jogos na época passada…
— Nesse caso deve vir descansadinho… — e esta foi, ainda assim, a opinião mais positiva com que a notícia da contratação do «nabo» espanhol foi encarada em Portugal no mês de Julho.
Agora que Novembro já vai quase a meio, as opiniões mudaram. Mudaram em Madrid e mudaram em Lisboa. E neste início de semana, sem exagero ou com exagero, como preferirem, as opiniões radicalizaram-se nas duas capitais.
Em Madrid, encheu-se outra vez o estádio Santiago Bernabéu mas, desta vez, não foi para ver Cristiano Ronaldo. Foi para garantir à equipa do Alcorcón, da II Divisão B espanhola, uma prolongada ovação assim que terminou o jogo da segunda mão dos 16-avos-final da Taça do Rei. Os alcorcónenses, que tinham goleado, em casa, com grande exagero por 4-0, aguentaram-se com grande valentia no campo mítico do adversário e afastaram, sem exagero, o Real Madrid da famosa competição.
— No entiendo cómo ocurrió…
Estão, contudo, profundamente enganados.
Na noite de véspera, no Estádio da Luz, o diagnóstico da doença do Real Madrid já tinha sido traçado, com precisão científica por Rui Costa. Assim que o jogo com a Naval acabou, o jovem director desportivo do Benfica entrou em campo e correndo para Javi García abraçou-o, beijou-o e puxou-lhe as orelhas num gesto de grande carinho. Compreende-se a reacção de Rui Costa. Imagine-se só o que terá ouvido quando em Julho gastou 7 milhões de euros com um «nabo» espanhol, suplente do Real Madrid…
Nas bancadas, o público não se cansava também de aplaudir o autor do golo que, a um minuto do fim, garantiu a vitória ao Benfica. Que bem que ele afinal joga. E que bem que fala.
— Foi uma honra para mim ter marcado este golo — disse escolhendo tão bem as palavras que até dá vontade de lhe puxar as orelhas, com carinho.
E, satisfeitos, os benfiquistas regressaram a casa já entretidos a conversar sobre o próximo compromisso da Selecção Nacional.
— Não sei se o Cristiano Ronaldo faz mais falta à Selecção se ao Real Madrid… — lançou o mote um intelectual dos nossos.
— Quem faz falta ao Real Madrid é o Javi García não é o Cristiano Ronaldo! — logo o interrompeu um outro, ainda mais intelectual.
E com muita razão. Pelo menos foi essa a opinião de toda aquela gente.
Por falar em fazer falta… José Eduardo Bettencourt, quando Paulo Bento se despediu, disse que 90 por cento dos sportinguistas já sentiam saudades do treinador e que, num curto espaço de tempo, seriam 100 por cento dos sportinguistas a ter saudades de Bento. Missão cumprida, já são 100 por cento! Ao assumir penosamente sozinho o discurso oficial do Sporting, Paulo Bento desgastou-se de um modo absurdo mas, honra lhe seja feita, protegeu os sportinguistas dos discursos do seu presidente. Sem Paulo Bento, Bettencourt tem sido o orador de serviço. Já nos informou que o perfil do próximo treinador será «do sexo masculino, caucasiano», que a agitação que se vive em Alvalade «tem a ver com a cultura visigótica», infelizmente mais radicada «a norte do Tejo», porque «entre os visigodos, o pai puxava as orelhas a quem se portava mal e tudo ficava em ordem», terminando por lamentar que não se possa «mudar a sede social de Lisboa para o norte…»
A falta que faz Paulo Bento.
PS: Robert Enke esteve três temporadas no Benfica e quando o seu contrato estava a chegar ao fim foi muito claro com o clube e com os adeptos que sempre o estimaram. Não quis renovar e não se quis entregar nas mãos de nenhum empresário. Considerava-se, e bem, o dono da sua vida, jogava com a carta na mão e era livre de ir para onde quisesse sem dar troco a terceiros. No final da temporada de 2001/2002, quando o árbitro apitou para o fim do último jogo que faria no Estádio da Luz, Robert Enke antes de recolher à cabina resolveu despedir-se dos adeptos do Benfica e, sozinho, deu uma volta ao estádio aplaudindo e sendo aplaudido. Foi um momento bonito e raro de um jogador que, sendo dono da sua vida, se despediu com carinho de quem tanto gostou dele. Contente ele, contentes ficaram todos. Anteontem à noite, numa passagem de nível em Eilvese, nos subúrbios de Hannover, Robert Enke, o dono da sua vida, foi-se embora de vez. Triste, tão triste ele e todos tão tristes.
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