fevereiro 11, 2010

Crónica Semanal do Leonor Pinhão

In ABola

Que "moral" pode afastar João Pereira da Selecção Nacional?

Inevitavelmente, uma pessoa acaba por se deixar contagiar pelo ambiente de indolência moral e de insolvência mental que paira sobre as nossas cabeças como um manto espesso que nos tolhe e encolhe e que, aliás, não vem de agora. É que isto, na verdade, já dura há séculos. Vem este pensamento sombrio a propósito do episódio de violência ocorrido entre o seleccionador nacional de futebol e um jornalista na sala VIP do Aeroporto de Lisboa.
Se é que se pode olhar para estas coisas com bom ânimo, procurando descobrir em cada despautério um aspecto positivo — e essa é a nossa arte nacional —, não haja dúvida que o incidente entre o treinador Carlos Queiroz e o jornalista Jorge Baptista trouxe para a ribalta uma nova realidade, ou seja, uma apetecida transparência no que diz respeito aos conflitos do futebol português que, como é público e notório, sofre de pancada na tola como nunca sofreu.

Basta ouvi-los falar para se confirmar o diagnóstico.

De pancada em pancada, a novidade é que a mais recente cena de trolha, de castanha, com bola ou sem bola, e sem bola neste último caso, primou por escolher um cenário diferente.

Da escuridão dos túneis, quais esconderijos, do defendido anonimato dos intervenientes das ocorrências cavernais, da deficiente qualidade das imagens e das tendenciosas interpretações das mesmas, passou-se, num ápice, para uma sala climatizada do Aeroporto de Lisboa, com sofás estofados e generosa iluminação, com um público tão VIP que nem viaja em classe turística e com acepipes servidos de borla por funcionárias impecavelmente fardadas no lugar dos desmazelados e remediados stewards das situações anteriores.
Inesperadamente, e sem merecimento, a vertente trauliteira do futebol português subiu, de rajada, para aí uns bons cinco ou seis degraus da escalada social e apresentou-se, desta vez, com punhos de renda em ambiente chique. Pois já não era sem tempo.

Deus nos guarde e preserve da verborreia dos moralistas de todas as ocasiões que aproveitam o menor tropeção alheio para clamarem por desinfestações e por despedimentos! São os temíveis legionários por conta própria que zelam pelo bom comportamento de terceiros, senhores de uma vocação ditatorial e que gostam de pregar sermões, não pelos sermões em si, muito menos pela causa ética em discussão, mas porque se comprazem em ouvir-se falar, adoram o som da sua própria voz.

À luz da moral vigente, do histórico pugilístico recente e da cultura de impunidade imperante, continua, portanto, Carlos Queiroz muito bem no sítio onde está, ocupando o cargo de seleccionador nacional de todos nós e da equipa de todos nós, por arrasto de funções.

O facto de ter andado ao soco com um jornalista não lhe diminui em nada o currículo, que aliás é escasso, e a ninguém passaria pela cabeça, tendo em conta a situação geral, que o presidente da Federação Portuguesa de Futebol forçasse a sua substituição a quatro meses do Mundial da África do Sul.

Há, no entanto, alguns excessos que merecem ser combatidos. O presidente da FPF é, com todo o respeito, um deles.

Ainda Jorge Baptista não começara a acreditar no que lhe tinha acontecido na sala VIP do Aeroporto de Lisboa e já Gilberto Madail vinha explicar ao País que o desacato era de «carácter pessoal» e que não afectava a imagem da Selecção, muito menos a imagem do seleccionador. É que, conclui-se, sendo o seleccionador, em primeiro lugar, uma «pessoa», tem todo o direito ao desdobre em múltiplas personalidades conforme o lugar e a hora onde se encontra.

Vá lá, vá lá, não nos ter vindo dizer Gilberto Madail que foi assim que Fernando Pessoa, que também era uma «pessoa», fez a sua obra, inventando heterónimos para cada impulso criador, já foi uma sorte para o nosso futebol e para a literatura mundial.

De um modo geral, a opinião pública e a comunicação social aceitaram com grande placidez, a justificação do presidente da FPF, a explicação do seleccionador e a descrição dos factos pelo jornalista. Ninguém se esteve para incomodar minimamente com o assunto que, depois de Sá Pinto ter alegadamente agredido Liedson e de Bruno Alves ter alegadamente agredido não se sabe bem quem, não passa de uma perfeita e alegada banalidade sem consequências.

Perante tudo isto, e considerando que as «pessoas» são todas iguais perante a moral comum e independentemente das explosões circunstanciais das suas múltiplas personalidades criativas, é de recear que uma forte e tremenda injustiça esteja prestes a ser cometida no futebol português.

Bastou ler com mediana atenção os jornais de quarta-feira, para se tornar evidente que João Pereira, o azougado lateral-direito do Sporting, não beneficia do mesmo estatuto de redenção concedido a outros agressores nacionais.

Na verdade, com que direito vêm agora os moralistas do costume exigir que João Pereira não possa ser escolhido por Carlos Queiroz para integrar a comitiva portuguesa que vai disputar o Mundial do próximo Verão?

Quando chegou ao Sporting não disse logo o temperamental jogador que estava ali para «morrer em campo»? E se esse foi, objectivamente, um compromisso «pessoal» de Pereira que logo fazia temer o pior, como considerar a sua agressão, a pés juntos, sobre o trinca-espinhas Ramires, sem bola sem nada, como impeditiva de figurar entre os eleitos do seleccionador? Com que moral o querem agora afastar da Selecção?

Enfim, no futebol também há classes.

E uma sala VIP será sempre uma sala VIP, o resto é conversa.

O Sporting de Braga, que encanta ver jogar, distanciou-se uma vez mais do Benfica e mantém a mesma diferença de pontos para o FC Porto. O Benfica, que jogou malzinho em Setúbal e um bocadinho menos mal em Alvalade, continua a ter razões de queixa do árbitro portuense Jorge Sousa.

Com a conclusão do inquérito disciplinar aos acontecimentos do túnel de Braga, ficou provado que Cardozo foi mal expulso no intervalo porque só quis apartar as partes em conflito e não agrediu ninguém. Jogando com 10 e vendo um golo injustamente anulado, o Benfica saiu de Braga há três meses tal como saiu de Setúbal, no sábado passado, em perda. O azar foi o mesmo. O azar do Benfica neste campeonato tem-se chamado Jorge Sousa, um árbitro que dá galo ao Benfica. São coisas que acontecem. Como consequência, para se afastar do Benfica, o Sp. Braga tem tido sorte com o mesmo juiz.

Todos sabemos que o futebol é um jogo e que a sorte e o azar fazem parte de qualquer jogo, mas, para tirar as teimas a esta questão, quem é que não gostaria de ver o mesmo Jorge Sousa a apitar o FC Porto-Sporting de Braga que se avizinha? Para vermos quem tem mais azar.

A terceira edição da Taça da Liga vai ter uma final em grande: Benfica-FC Porto, a 20 de Março, no Estádio do Algarve. Isto, em princípio. Porque vai haver ruído com a data e com o local da festa. É uma previsão, obviamente.

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