Coluna com (enorme) coluna
Foram dias intensos e futebolisticamente gulosos. Que melhor companhia, quase diária, do que Mário Coluna? Vindo de Moçambique, a convite do Benfica, esteve uns tempos entre nós. Esteve muito tempo comigo. Esteve, digo-o imodestamente, em homenagem a uma antiga amizade. Da minha parte, mais do que desvelo, sinto veneração por Coluna. Sinto e cultivo-a.
Há já quase cinco décadas, foi apelidado de Monstro Sagrado. Artur Agostinho, outro velho amigo, mestre também, foi o autor do epíteto. Que vingou até à actualidade e jamais será esquecido. Coluna foi muito Benfica, foi muito Selecção, foi todo futebol. No curto espaço de sete temporadas, disputou cinco (!) finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus e capitaneou o combinado nacional na maior epopeia do seu palmarés, o Mundial de 66. Até a braçadeira da selecção da FIFA chegou a envergar, expressão da sua grandeza universal.
Mário Coluna foi um capitão extraordinário, um capitão singular. Tal como hoje, jamais levantou a voz, mas sempre teve uma liderança intocável e admirada por todos. Até muitos árbitros o tratavam por “senhor Coluna”, tal era o respeito que infundia. Árbitros, dirigentes, jogadores adversários, até colegas de equipa. Ainda hoje, gente da bola com a estirpe de um Toni, de um Carlos Manuel, de um Chalana, tantos mais, não renunciam ao trato de “senhor Coluna”.
O “senhor Coluna” fez o grosso da minha despesa emocional nos últimos dias. “Onde vamos hoje, miúdo?”, foi a frase que mais ouvi. E também lhe ouvi histórias, muitas histórias, tantas e bonitas histórias, proferidas naquele seu jeito sábio, mas comoventemente humilde. Coluna sempre foi homem de grande coluna. O que lhe escrevi uma vez? Dava músculo, dava cérebro, dava alma, dava até pele, dava até sangue. Dava ordens ao jogo, dava-lhe ordem também. Dava jeito, tanto jeito. Dava o que dava e não dava mais, porque não havia mais para dar. Sem exagero, Coluna era o farol do futebol português. O Monstro Sagrado? Também o último imperador.
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