julho 18, 2011
Crónica de João Malheiro
Coração e Coentrão
Por que será que, abrindo as janelas, aqui, em Vila do Conde, sinto um cheiro especial? É mar… é mais do que amar, também amar. É aquele mergulho gratificante na adolescência. Que tonifica, que exercita, que açula. Vila do Conde, na prosa sentida de Ruy Belo “é o lugar onde se esconde o coração”. E para quem faz da bola referência, da bola motivação, é também o lugar onde não se esconde o Coentrão.
Uns dias na terra de Régio, espraiados “entre pinhais, rio e mar”, cruzaram-me com o futebolista português mais marcante da actualidade. De origem piscatória, guerreira, muito humilde, quase indigente, Fábio Coentrão exibiu-se nas Caxinas com sorriso galático na rota milionária do mítico Real Madrid. Os conterrâneos, testemunhei-o, aplaudiram com afectação incontida, tomando o traje da glória de um dos seus.
Vila do Conde tem mais uma razão para elevar a auto-estima. A coisa vem de longe, mesmo antes da nacionalidade. Intensificou-se na época dos Descobrimentos, muitos foram os vila-condenses empenhados na gesta famosa. E que dizer dos vultos da escrita que se fixaram nesta paragem, porventura seduzidos pelos seus encantos?
No curto trajecto da Adega do Testas ao restaurante Ramon, que a gastronomia também faz de Vila do Conde património de sabores, dá para passar pela casa de Eça de Queiroz. “Se não houver vinho, bebo branco”, chegou a sentenciar. Um pouco mais abaixo, fixou-se Guerra Junqueiro, esse mesmo que também escreveu sobre “o artista a quem sobrava o génio e faltava o pão”. Ao lado, na Praça Velha, Camilo Castelo Branco deve ter revivido os amores trágicos de Simão, Teresa e Mariana, enquanto Antero de Quental, na vizinhança, já escrevia “assim, qual é a esperança que não mente”.
A esperança, vaticinou Antero, mente. Mente descaradamente. Mente mais ainda na actualidade. Mente tanto que não há mente que se não sinta demente. Mas em Vila do Conde, mas por Vila do Conde, a esperança não mente. Não faz da gente temente, faz da gente crente.
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