Ser Briosa
A histórica vitória na final do Jamor da Académica de Coimbra (ou, na visão dos puristas, da equipa do “organismo autónomo de futebol” que também ostenta o símbolo da Associação Académica – AAC) gerou diversas análises e fez sair debaixo das pedras “academistas” de todo o lado e feitio. Inevitavelmente, redescobriu-se o assunto do futuro de uma “equipa-instituição” e titular de um carisma imbatível.
Vivi o âmago da descaracterização da Académica, num tempo em que se revigoravam as “tradições” da academia e a centralidade do “doutor estudante” na cidade; um tempo que permitiu à AAC retomar peso e significado político-social no ocaso do “cavaquismo” governativo. Isso não chegou ao Calhabé, ainda que, como experienciei, a capa e batina voltassem a servir como “cartão de sócio”. Mas também isso não chegava para rebatizar a mística junto da esmagadora maioria. Nós, universitários, vivíamos ainda sob o trauma da transição do “Académico” para algo ainda indefinido que pretendia aproximar novamente o futebol da “casa-mãe”. Vivíamos um futebol de 2.ª divisão, com atletas veteranos desenraizados, um sonho adiado de regresso aos “maiores”, a falta de comunicação com a Universidade e o desaproveitamento da “força invisível” que milhares de jovens instruídos a viver num microcosmos poderia ter e não tinha. Foi já do “lado de quem ensina” que vi o futebol da Académica subir e readquirir a oportunidade de se refundar.
O êxito de domingo trouxe a memória do passado. Nuno Rogeiro lembrou-se que “havia um Portugal em que as equipas de futebol tinham jogadores portugueses, e onde a Académica era uma equipa de estudantes pós-liceais ou universitários”. Essa equipa, a da “secção de futebol” da AAC, existe e anda nos distritais de Coimbra; mas esse Portugal, só “com televisão a preto e branco”, já não existe! O que coexiste é, agora, uma nova oportunidade. A oportunidade que, antes do jogo, vimos nos olhos do aluno de Medicina, capitão da equipa de juniores, e que, ao contrário de tantos outros, terá em devida conta o simbolismo do “canelão”. A oportunidade que implica uma nova identidade, em comunhão com a imagem universal da Universidade e o canal de mobilização que não pode deixar de ser a AAC. A oportunidade que envolve um futuro adaptado às exigências do profissionalismo: um centro de alto rendimento do “estudante-atleta”, entre a Academia do Bolão e o Campo de Santa Cruz; um novo estatuto, estimulado pela Reitoria, para o ingresso, frequência e avaliação dos atletas (nacionais e estrangeiros) que estudem e se fixem na Universidade; a proliferação da “marca Académica” nos mercados de língua portuguesa. Vejam como se faz nas universidades dos EUA e comprovem a bondade de uma outra visão.
E o dinheiro? Não é fácil, eu sei. Mas talvez seja mais fácil convencer o investimento na diferença e na força de um “mercado” de milhares de estudantes em rotação do que na padronização. Num clube que pode ser a quarta potência desportiva do país. E que assim foi no passado, quando, como o grande Maló eternizou, o fundamental era formar homens e mulheres válidos para a sociedade!
In Record
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