janeiro 08, 2013
Afonso de Melo in O Benfica
PUM!,
ou o silêncio
Terá feito PUM!, suponho. Quero dizer: o tiro. Alguém deve ter ouvido. Um tiro num WC não soa no vácuo. Isto é: digo eu, porque informação não há. Diz-se que foi no WC; diz-se que foi um tiro. Os jornais não têm letras, as televisões não têm imagens, as rádios não têm voz. Um tiro provoca perguntas: quem foi?; por que foi? Ninguém responde às perguntas. Pior ainda: ninguém faz perguntas. Fazemos nós, cada um por si. Mas não fazem perguntas aqueles que tinham como obrigação profissional fazê-las. O silêncio é grosso: envolve um estádio, envolve uma torre de escritórios, envolve um clube. Misterioso clube esse, que vive envolto em silêncios apenas interrompidos pelas tiradas imbecis de um velho escroque. Consta-se que a polícia abriu inquérito, desenvolveu investigações. Mas não se sabe ao certo. O silêncio também tomou conta da polícia. Há conclusões? Há relatórios? Vá lá saber-se. O poço é fundo, muito fundo. Certo dia, a certa hora, ouviu-se (parece...) um tiro. Houve um morto, pelo menos houve rumores de existir um morto. Quem o matou? Ele próprio ou mão alheia? Era um morto que incomodou enquanto vivo? Era apenas um cavalheiro solitário sem razões para viver? E a arma? Não há tiro sem arma. Isto é: não costuma haver tiro sem arma, mas talvez estejamos perante um universo diferente, difuso, no qual as razões e as consequências não coabitam no mesmo espaço. PUM!, ouviu-se no edifício, no estádio, suponho. Ninguém quis verdadeiramente saber. Ignorem, desvalorizem, não passa de um homem morto... Há lá coisa mais banal do que um homem que é morto? A quem convém o silêncio?, já perguntei aqui. E respondo de novo: o silêncio convém aos criminosos. Já ninguém ouve um tiro no silêncio...
P.S. - Depois de uma morte, outra morte. Parece que para certa gente as mortes são banais. Aconteçam num WC ou numa estrada. Não lhes pesam na consciência: é coisa que não têm.
1 comentário:
Foi um pum dum passarinho que por um acaso passou por cima da torre.
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