Dez pontos é muita fruta
“O Benfica é como eu, vai ao Porto para não fazer nada e comer bem”
MIGUEL ESTEVES CARDOSO
“O Coliseu do porto, por estar inteiro, é muito melhor do que o Coliseu de Roma que está numa ruína.”
In O LEÃO DA ESTRELA
FAZENDO fé no que surgiu estampado nas primeiras páginas vinte quatro horas depois do clamoroso episódio de falência técnica do Benfica no Porto, a SAD do Benfica estabeleceu para Jorge Jesus um caderno de encargos que, a não ser cumprido, significará o fim do percurso do treinador no Estádio da Luz.
Curiosamente, o diário francês L’Équipe, que é um colosso da informação desportiva mundial, já produzira na sua edição on-line de segunda-feira um lapso embaraçante para Jesus, para o Benfica e… para o Sporting, referindo-se ao treinador campeão nacional como l’entraineur des lions, ou seja, o treinador dos leões, quando, em boa verdade, Jesus ainda é o treinador do Benfica e ainda não é o treinador do Sporting.
Regressemos ao tal caderno de encargos até porque, e já se passaram outras 48 horas, ainda não foi desmentido nem nos seus pressupostos nem nas suas consequências anunciadas com tanta gravidade e pompa.
O que não deixa de ser bem menos preocupante para Jorge Jesus do que para a própria SAD do Benfica que passa pelo vexame de não se poder reunir em legítimo conciliábulo sem que as conclusões a que chegou não pulem, no ápice, para o domínio público quando deveriam ser de natureza privada.
A não ser que fosse precisamente essa a ideia, o que ainda é mais preocupante porque não há nada a ganhar em eleger publicamente como tema exclusivo da temporada, quando faltam sete meses para o fim da dita temporada, a questão da continuidade do treinador em função de três objectivos desportivos menores.
É que Jorge Jesus, segundo a imprensa, está obrigado a garantir o segundo lugar no campeonato nacional, a eliminar o Sporting de Braga da próxima jornada da Taça de Portugal e a qualificar-se para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Ponto por ponto… enfim, vá lá saber-se o que é que terá passado pela cabeça dos nossos dirigentes para virem a terreiro com estas anormalidades.
Se o Benfica fosse o Sporting, e comprovadamente não é, compreendia-se a eleição do objectivo segundo lugar como um desígnio estimável. Paulo Bento, por exemplo, foi forever durante quatro segundos lugares seguidos e só deixou de o ser quando, bem no princípio da época passada, se percebeu claramente pelo avolumar do atraso que lhe seria impossível conquistar a adorada posição final.
S o Benfica fosse o Vitória de Guimarães e, com o devido respeito, não é, justificava-se o afã de eliminar o grande rival minhoto, o Sporting de Braga, na ronda que aí vem da Taça de Portugal, tanto mais que Guimarães, que agora está por cima, penou a bom penar no ano passado vendo os vizinhos de Braga a subir quase até ao céu, o que deve ter constituído um sofrimento atroz.
E se o Benfica fosse o Benfica europeu que há décadas nos tarda a qualificação para a fase seguinte da Liga dos Campeões estava já resolvida há uma semana restando-nos apenas discutir, entre nós, se nos daria mais jeito ficar em primeiro ou em segundo lugar do nosso grupo.
Não sendo esse aspirado Benfica europeu, como qualquer um de bom senso reconhecerá, e tendo exibido desconsolantes fraquezas nos seus confrontos recentes contra adversários das segundas e terceiras linhas europeias, como são os casos do Olympique de Lyon e do Schalke 04, não seria mais ajuizado – até do ponto de vista da gestão financeira da casa – aspirar a uma carreira honrosa na Liga Europa, defrontando adversários menos poderosos no campo que, por isso mesmo, podem permitir um percurso divertido e sem sobressaltos de maior?
Sem qualquer espécie de fanfarronice, no entanto, não é de temer que aconteça ao Benfica em fase mais adiantada da Liga dos campeões aquilo que aconteceu há duas épocas ao Sporting que saiu absurdamente mal tratado no seu confronto com o Bayern de Muniche com um agregado de 12/1 nada tangenciais nos dois jogos que teve de disputar com os alemães.
Posto tudo isto, penso que a SAD do Benfica devia repensar e refazer o caderno de encargos que colocou na mesa de Jorge Jesus 24 horas depois da derrota no Porto:
1) Risque-se imediatamente a obrigação de ficar em 2.º lugar porque não faz parte da nossa cultura. É uma coisa mais própria de outros emblemas.
Nós até nos estamos perfeitamente nas tintas para aquela coisa de termos ficado 1 vez em sexto lugar porque já ficamos 32 vezes em primeiro lugar.
Assim sendo, o objectivo para este campeonato em relação ao FC Porto é apenas de fazer melhor que o FC Porto fez no passado em relação ao Benfica. E, como estarão recordados o FC Porto ficou a 8 pontos do Benfica, o que é uma distância perfeitamente admissível.
Dez pontos é que não pode ser. De maneira nenhuma.
Dez pontos é muita fruta, tenham lá paciência!
2) No que diz respeito à Taça de Portugal, risque-se a obrigação de eliminar o Sporting de Braga.
O Braga ocupa actualmente o 8.º lugar da tabela e não há razão para o Benfica estar a moralizar com elogios de importância aquele que foi o seu grande e único adversário da época passada.
3) Quanto à Liga dos Campeões, esqueça-se já. Concentremo-nos na Liga Europa onde tudo pode sempre acontecer.
Até pode acontecer uma final Benfica – FC Porto, por exemplo.
E, nesse caso, já com fundamento sério, apresente-se então um caderno de encargos ao nosso treinador.
O presidente da Comissão de Arbitragem da Liga explicou a validação do segundo golo do Sporting ao Vitória de Guimarães com uma evidência sublime: o mesmo árbitro que não viu o Evaldo a atirar com o Nilson para lá da linha de golo conseguiu confundir a luva branca do Nilson com a bola…
O futebol português está chique e cheio de etiqueta. Até já temos golos de luva branca.
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