Os "senadores" do futuro
As recentes declarações públicas de Vítor Baía e o “regresso” de Nuno Gomes fazem-nos refletir sobre o valor do jogador na estruturação próxima do nosso futebol. Pelo menos este tipo de jogador, de uma geração de futebolistas com outra formação, outra noção da “responsabilidade social”, outro mundo e, em alguns casos, com independência económica suficiente para se desprender do futebol estritamente jogado (como treinador, por exemplo). Uma geração capaz de, uma vez acompanhada por profissionais competentes, aproveitar carisma e prestígio para conferir dimensão e conhecimento a muitos gabinetes. Figo, Rui Costa, Fernando Couto e Costinha estão a fazer o seu caminho e a aprender. Como, noutro nível, estão Carlos Carneiro (no Paços de Ferreira) e Pedro Roma (na Académica). Como voltarão a estar, com mais acerto, Paulo Sousa, Pedro Barbosa e Sá Pinto. É possível ver um “movimento” destes “senadores”, que caracterizará o futebol dos próximos 25 anos e o afastará da “cultura” dominante dos últimos 25 anos. O mesmo “movimento” que, entre outros, fez de Beckenbauer e Rummenigge o que conseguiram ser depois do relvado.
Vítor Baía terá, mais cedo ou mais tarde, “um futuro” substancial no clube do coração, onde tem um estatuto inigualável, depois de invariavelmente considerado e valorizado, anos a fio, nos escritórios das Antas. Além de idolatrado pelos adeptos. Percebemos que almeja voltar ao local onde foi feliz, para outras funções e para um outro aproveitamento da sua figura. Deverá continuar a adquirir ferramentas e mais-valias e a concitar apoios de sectores vitais para o crescimento do FC Porto. E regressará numa outra fase – um destino inelutável para quem sente e simboliza (em títulos) o clube como ninguém.
Quando se vê agora a discussão sobre o afastamento de Nuno Gomes das escolhas de Jorge Jesus vem-me sempre à cabeça a longevidade dos jogadores que alinham em Itália – não só italianos: ainda hoje ver a classe madura de Seedorf a progredir nas transições e as correrias sincopadas de Zanetti é motivo para nos perguntarmos sobre a valia dos “limites etários” que o futebol engendrou. Não são repetíveis por si só noutras latitudes e noutros atletas. Há 15 anos, quando estudei em Itália, o fenómeno era essencialmente o mesmo. Ver então Del Piero, o exemplo de um jogador “amarrado” à cultura de um clube, a despontar como um fora-de-série e vê-lo agora na Juventus é (apenas) uma outra confirmação. Prognosticar hoje o devir de Del Piero diz-nos que, em vez de querer tirar de Nuno Gomes mais do que ainda tem de útil para dar no campo (como Figo deu no Inter de Mourinho), interessa vislumbrar o futuro de Nuno Gomes fora do campo.
Talvez por essa altura seja já o tempo de Vítor Baía. Um tempo, desde logo, em que os dirigentes não comuniquem por intermédio de um dicionário desconhecido da língua portuguesa. Um tempo onde se respire melhor no futebol, com o respeito próprio de quem passou muitas horas a partilhar relvados, balneários e estágios. A partilhar o jogo e as ideias. A partilhar toda uma vida.
In Record
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