janeiro 29, 2012

Crónica de João Malheiro


Na bola da justiça

“Quem é o Bentes?”. A pergunta, diziam-me, era feita, no início dos anos 50, por um jovem universitário, oriundo de Caminha, na altura a frequentar Direito na Universidade de Coimbra. Quem era o Bentes? Um magnífico jogador da Académica, quiçá o melhor de todo o seu historial, que inclusive chegou a jogar na Selecção Nacional.

E quem perguntava mesmo “quem é o Bentes?”. Jorge Guerra Pires, contemporâneo do meu pai, do meu tio, de Francisco Salgado Zenha, de Agostinho Neto. Amigo íntimo da família, desde cedo, habituei-me a tratar apenas por Jorge aquele que mais tarde viria a ser juiz conselheiro, até jubilado. O Jorge, este fim-de-semana, dolorosamente, partiu.

O Jorge perguntava, adolescente, “quem é o Bentes?”. Não ia, nunca foi, somente por mera e pouco vulgar curiosidade intelectual ou social, à bola da bola. A bola não o fascinava, tinha outras prioridades, outras dilecções. Personalidade portadora de uma cultura invulgar, cidadão e profissional moralmente impoluto, o magistrado Jorge Guerra Pires teve grande influência, desde cedo, na formatação da minha personalidade e da minha visão sobre o mundo, as suas virtudes e as suas chagas.

“Quem é o Bentes?”. O Jorge não sabia, no começo do seu curso universitário, aquilo que todos sabiam. Não sabia? Talvez dissesse que não sabia, apenas para empurrar as tertúlias académicas na direcção de causas, de princípios, de valores.

O Jorge morreu. “Quem é o Bentes?”. Nunca fez questão de mo explicar. Já não vai a tempo. Também não era preciso, eu não tinha necessidade, porque já sabia e escusava de questionar “quem é o Bentes?”. Mas explicou com mestria, com sapiência, que não há um só homem bom que deixe de equipar, a tempo inteiro, no jogo da vida, com o traje da humildade, do carácter, da justiça.

 

 

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