fevereiro 21, 2012

Por força da lei _ Ricardo Costa


Uma guerra a sério

De há muitos anos a esta parte, aparentemente, procuram-se indícios de esquemas menos lícitos na valorização e transferências de jogadores de futebol. Indagam-se agulhas no palheiro. A quantidade de intervenientes nos negócios dos “passes” corresponde, num mundo globalizado em “sites” e “links” e acesso simultâneo à informação, a uma nuvem mais ou menos densa de ligações jurídico-económicas e dependências materiais: entre clubes, sociedades desportivas, seus diretores e administradores, agentes credenciados e “empresários” de facto, “testas-de-ferro”, “off-shores”, fundos de investimento legais e fundos travestidos em sociedades “ocas”, bancos e prestamistas, advogados, fiscalistas e contabilistas, treinadores e “scouters”, políticos e decisores regionais. Poderá encontrar-se um caso, um negócio, uma colocação, e daqui erigir um “exemplo”. Mas chegados aqui, com tanto défice de transparência (mesmo que se comunique formalmente algo inócuo às autoridades competentes) e campo aberto para a teia de cumplicidades que o dinheiro insindicável sempre gera, esse “exemplo” não chegará. Sem algo de mais estratégico, o cenário ameaça ser perene, como uma espécie de banda gástrica que não resulta. Em nome da bola feita negócio.

Nestas matérias, como em quase todas as outras que hoje afetam a credibilidade do desporto (violência, corrupção, tráfico ilegítimo de influências, coações), um órgão jurisdicional de uma FIFA ou de uma UEFA ou de uma federação desportiva nacional pode pouco ou nada. Pode não ficar parado – o que é fulcral – mas depende sempre em medida decisiva, no conteúdo e no tempo, dos órgãos estaduais de investigação criminal e dos juízes do Estado: só estes têm competências para invadir o terreno de certos direitos para apurar essas infrações; tendo competências, porém, não têm geralmente meios nem leis amigas para chegar à “prova”. As mãos estão ainda atadas para higienizar o desporto. Se se desatam, há por fim o risco de a ilicitude se transmutar em pressões sobre os julgadores, juízos insalubres de sectários e imbróglios jurídicos alimentados pelo voluntarismo.

Este status quo poderia ser alterado. Tomemos em linha de conta os meios e instrumentos que as leis e os laboratórios dos Estados e os regulamentos desportivos colocaram ao serviço do combate à dopagem. Suponha que o Comité Olímpico Internacional e as federações transnacionais fundavam uma “Agência Mundial contra a Corrupção e a Violência”. Suponha que essa Agência elaborava um Código Mundial, destinado a padronizar as regras de prevenção e punição. Suponha que essa Agência produzia o efeito de uniformizar as leis a nível geral e, através delas, se criassem entidades públicas, especializadas e independentes, que tivessem o poder de averiguar a prática desses ilícitos, oferecendo, com todas as garantias e contraditório, o seu “trabalho” aos tribunais e aos órgãos desportivos. Suponha que se atingiriam os resultados que se conhecem na “guerra” (interminável) contra o desporto viciado por “doping”.

Suponha que todos confiaríamos mais no desporto. Seria uma “guerra”. Será que a querem comprar?

In Record

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