Aldrabice
Para acabar de vez com os equívocos: subscrevo, porque quero e porque posso, a ideia de uma “classificação aldrabada pelos árbitros” na Liga portuguesa. As virgens escandalizadas ripostam de várias formas. Primeiro, que tal sugere premeditação e má-fé dos árbitros. Mentira: continuo a assentar argumentos na incompetência e nas deficiências – porventura mais sensíveis no campo psicológico – e não faço juízos de intenção. Nem seria útil rubricá-los, como facilmente se percebe pelo desfecho de um Apito Dourado tão transparente que tudo acabou na mesma. Segundo, é a linguagem que as eriça, às almas impolutas. Brincadeira: os que hoje gemem diante da “aldrabice” são os mesmos que já ouvi falar em “roubos”, em “Bin Ladens” e por aí fora. Também aparece a ideia, de um automatismo redutor, de que quem defende que há aldrabice está necessariamente a defender uma equipa, um clube, uma cor. Entendamo-nos: não há apenas uma vítima na cegueira e na aselhice dos juízes de campo. Basta recordar o discurso do presidente da Académica, no final do jogo de Braga.
Tudo isto dificilmente ultrapassa as “revisões da matéria dada”. A novidade, cúmulo da cobardia, é querer fazer passar as críticas às arbitragens – que sempre fiz às claras, em textos que não se escondem em pseudónimos, dando a cara ao manifesto – como parte de uma campanha que, por exemplo, se expressou na divulgação na Internet de dados pessoais de alguns árbitros, o que – pelo menos num caso – já se traduziu em ameaças ao próprio juiz e à respetiva família. Condeno, claro. Da mesma forma que deploro aqueles que me oferecem insultos periódicos. Põem-me a dizer frases que nunca disse, atribuem-me intenções que nunca tive, multiplicam ameaças rasteiras, fazem queixinhas, incluem-me em grupos que não frequento, sentam-me a mesas em que nunca passei, inventam de uma forma que me faria rir – se não fosse assustadora, por não ter rosto.
Cometo, com todo o orgulho, um pecado voluntário – penso por mim mesmo, não sou moço de recados nem correia de transmissão. Mais: ao contrário de outros, que conheço bem, posso fazer a qualquer momento, a declaração de interesses. Não preciso do futebol para (sobre)viver, não trafico informação, não faço favores, não me curvo, não presto vassalagem a ninguém. Vou defendendo, à inglesa, que insultos e ameaças são um desvio ainda tolerável – “it comes with the Job”. E gostava de continuar a falar sobre o que entendo, dos árbitros, que não são vacas sagradas e estão sujeitos a escrutínio como qualquer outro grupo social, às aldrabices. Se não puder, paciência; também não é morte de homem. Será, isso sim, um mau sinal: o de que chegámos à fase de condenar sumariamente o delito de opinião.
In Record
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