Lugar na história
Primeiro: pior do que os “tabus” dos políticos, só mesmo esses mal amanhados jogos de reserva mental nos dirigentes desportivos, à espera “do momento”, da “vaga de fundo”, do “eu ou o caos”. Tudo familiar, infelizmente. Segundo: tão mau quanto um país democrático sem oposição é o aceitar da gestão de um clube sem ideias alternativas ou complementares, meio caminho andado para o autismo (passe a expressão e fique o conceito). Terceiro: um contrato de treinador de futebol é tão válido como as leis laborais portuguesas, e tão perene como os “direitos adquiridos”. Quer dizer: aplica-se até que se levantem “superiores interesses”, venham eles dos ditames de uma troika qualquer ou do bramido das massas ululantes.
Por estas três premissas quis chegar à atual situação do Benfica, que se deixou cair na asneira de marcar eleições para outubro, já em plena época. Pergunto: sendo legalmente inatacável, será eticamente defensável o sumário despedimento do atual treinador, com hipóteses de rumar a outra casa – sabendo-se, ainda por cima, que Pinto da Costa não desdenha a aproximação, uma vez que se verá obrigado a desfazer um nó chamado Vítor Pereira, para sossego dos adeptos e das finanças portistas – com pesada indemnização (sete milhões?), com recomeço de todos os processos ainda antes de solidificado um modelo de jogo, com perda das inegáveis vantagens que Jorge Jesus (a par das falhas, já lá vamos) já demonstrou, e dentro de campo? Da mesma forma, num momento em que a chamada nação benfiquista espera uma prova de força a valer – depois dos falhanços com as arbitragens, com a gestão do plantel, de Enzo Pérez a Ruben Amorim, com o “mandato dos êxitos desportivos”, com as outras modalidades – do seu presidente, será tolerável que este hipoteque parte do futuro do clube com a timorata assinatura de um desvantajoso contrato com a Olivedesportos?
São apenas duas questões das muitas que podem separar Luís Filipe Vieira da grandeza. O homem que teimou no novo estádio, que hoje não se discute, que credibilizou financeiramente o nome do Benfica depois de todas as aventuras, que voltou a edificar o clube em termos europeus e que – com a ajuda de Jesus – revelou a capacidade para os indispensáveis negócios da sobrevivência, que denunciou (sozinho) o Apito Dourado, já tem lugar na História. Sem oposição à vista, falta-lhe um passo para a grandeza: aceitar o diálogo, aproveitar sugestões, preocupar-se mais com o adversário externo do que com as reticências internas. Começar por não delapidar os poderes do sucessor – que até pode ser ele próprio – é um bom princípio. Fortalecer a estrutura é um imperativo. E não ouvir sempre os mesmos um sinal exterior de democracia. Será?
In Record
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