Crise na Disciplina
Sempre que os focos se dirigem para uma pronúncia disciplinar da Liga sobre incidências do campeonato, sempre há quem se refira com incredulidade a algumas das regras do Regulamento Disciplinar (RD). As reações são conhecidas: “a multa é desajustada à gravidade”, “o castigo não previne”, “os clubes não aprovam regras que os prejudiquem”, “ai se fosse com a UEFA!”. A diferença, na boca ou na pena de alguns, é que, por agora, se descobriu que a culpa da suavidade ou da impunidade será do RD. Isto é, descontadas a incoerência e a desfaçatez desses alguns, não viram o essencial… Ou, uma outra hipótese, entraram de vez em falência intelectual!
As insuficiências regulamentares demonstradas pelos casos concretos serviram, nos últimos anos, para corrigir, em jeito de cirurgia pontual, algumas parcelas do RD. Esta época dá apenas mais um contributo. O que se decide todas as semanas e o pouco (pouquíssimo!) que se decidiu e decidirá em procedimentos disciplinares – pela mais omissiva Comissão Disciplinar de que há memória na Liga – confirmam o óbvio: o RD necessita de uma revisão global. Claro que o que existe tem bondades e não deixa, na maioria das situações, que se caia no vazio. Porém, é urgente aproximá-lo da competição, em vez de se aceitar que continue a ser um instrumento de arremesso político dos clubes e demais agentes. Que faça da prevenção, da adequação e da proporcionalidade as suas inatacáveis linhas de força.
Em primeiro lugar, precisa de missão. Um estudo dos direitos estrangeiros é absolutamente imperativo, para que o julgador não se sinta anacrónico e desconfortável no momento de decidir.
Depois, precisa de clareza. Para impedir que subsistam “fórmulas” suscetíveis de várias interpretações e que uma decisão sobre qualquer matéria não padronizada se transforme invariavelmente num imbróglio jurídico que traz ruído e instabilidade para a competição.
Finalmente, precisa de uma boa “técnica legislativa”. A atual, assente na tipificação dos “crimes” desportivos referida aos infratores, está esgotada. O futuro aguarda que o RD se baseie na identificação de cada um dos bens ou valores jurídico-desportivos essenciais – desde a integridade e transparência das competições até à salubridade financeira dos competidores – e no subsequente catálogo dos ilícitos que mais gravemente os violam, de modo que todos os agentes se possam graduar e situar em referência ao mesmo comportamento violador.
Esta empresa não se faz naqueles dias de junho em que se discutem as “alterações regulamentares” da Liga. Em que os votos acabam por ser manipulados pelas “influências” de uns clubes sobre outros. Implica competência e tempo. Se não der – não só no futebol –, julgo há muito que mais vale tirar esta competência das federações e das ligas e entregá-la ao “Estado-legislador”, que faria um “código da justiça desportiva” para todas as modalidades. Algo a ponderar e a decidir na próxima legislatura? Sim. Com a garantia de que se trataria menos, então, de contratação de jogadores, indicação de treinadores e… do resto.
In Record
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