fevereiro 10, 2011

Tempo Útil _ João Gobern



A remodelação

Longe vai a época em que o cidadão guindado a uma pasta ministerial se sentia no direito de arquitetar um telefonema público para a paternidade, dando conta da comoção e do orgulho. Se o protagonista deste episódio já nem mora por cá, preferindo climas menos agrestes, é duvidoso que os progenitores não tomem conhecimento deste passo dos filhos sem franzirem os sobrolhos e sem pensarem que, com os tempos difíceis que atravessamos, mais vale isto do que desempregado… Mas é um facto que a coisa não anda de feição para os senhores ministros – primeiro foi Jorge Lacão, rapidamente abafado pelos amplificadores partidários. Agora, foi Costinha.
O antigo jogador do FC Porto e hoje diretor de qualquer coisa no Sporting tem consciência que, com a entrevista de anteontem à Sport TV, rasgou em pedacinhos ininteligíveis a folha de papel em que estava contemplada a hipótese contratual da sua continuidade a partir da chegada do próximo presidente. Assumiu outro papel, o de justiceiro que, solitário, tenta defender à espadeirada e aos gritos a honra do castelo – contra a administração, que mente aos sócios, que subscreve negócios ruinosos (Liedson), que lhe exige rendimento de milhões em troca de tostões, que não assume responsabilidades e “sacode a poeira dos ombros”; contra o seu superior direto, José Couceiro, que “não vai resolver nada”; contra jogadores, como João Moutinho, “que não teve comportamento digno”.
Costinha pode ter razão em múltiplos aspetos do que afirmou, mesmo que lhe seja mais fácil ensaiar a defesa de Maniche do que explicar a “normalidade de relações” com Izmailov. A questão é mais complexa: ele é tão escasso no tempo de permanência ao serviço do Sporting como abundante é a sua coleção de episódios infelizes, de declarações embaraçosas e de atos falhados. O que significa que não se encontrava na melhor posição para, com uma precisão cerebral e impressionante, desatar a partir a pouca loiça que ainda restava intacta nas vetustas vitrinas de Alvalade. Chama-se “autoridade moral” a essa qualidade que legitima ou que, ao menos, desculpa um desabafo desta grandeza na escala de Richter – neste caso, ela não existia. Embora o silêncio da SAD, na resposta, também seja ensurdecedor.
Será um mal português, este de olhar primeiro os autores, e só depois as obras. Mas é um dado adquirido, que permite dizer que Costinha se autoexcluiu de qualquer futuro em Alvalade, a menos que uma qualquer administração vindoura acredite na regeneração ou se divirta a dar tiros no pé. Por mim, como adepto do futebol, preferia ter guardado a imagem do Costinha rigoroso e discreto, mas influente ou decisivo. Assim, confesso, vou ter mais saudades dos fatos que dos factos.

In Record

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