maio 24, 2011

Contra a Corrente _ Leonor Pinhão

Já não há amor à camisola
Graças a um tal Pizzi, salvou-se o velho recorde de Jimmy Hagan que não merecia ser arrolado como destroço nesta época desastrosa.

Se
o Benfica fosse um clube pequeno (ou mesmo médio) teria concluído na última quinta - feira uma época notável tinha conquistado um título oficial, a Taça da Liga, tinha sido semi-finalista da Taça de Portugal e da Liga Europa e iria acabar o campeonato no lugar de vice-campeão.

Felizmente, o Benfica é um clube grande e não é um clube pequeno ou médio. Portanto concluiu, lamentavelmente, na última quinta - feira uma temporada muito má. E como se não lhe bastassem os resultados desportivos, para piorar as coisas, ainda fez questão
de primar por momentos sociais e de comunicação entre o apatetado e o patético.

Foi um Luís Filipe Vieira acabrunhado, e isso só lhe fica bem, que falou na noite de segunda - feira aos benfiquistas através da estação de televisão do clube. Fez bem o presidente do Benfica em oferecer a cara ao descontentamento popular, sujeitando-se ao crivo das opiniões a favor e contra as suas palavras. Foi humilde ao reconhecer os erros da casa, da estrutura e os seus próprios erros. E ainda foi mais humilde ao prometer que, na Luz, ninguém mais voltará a prometer títulos em tempo de defeso.

Pode ser que fique esta lição, que já é bem importante de aprender.

Por não ser um clube pequeno nem médio, os benfiquistas exigem ao Benfica que reaja como o grande Benfica, um clube grande, o maior do pais, num momento tão frustrante como este que está a viver. Por essa razão talvez fosse dispensável, até em nome do
bom senso, aquela parte do discurso de Luís Filipe Vieira em que o presidente do grande Benfica assegurou "todos os sacrifícios" para garantir a continuidade de Salvio.

Que o tempo - pois, pois,esse grande escultor ... - não venha a reduzir ao estatuto de pequeno Benfica esta garantia de Vieira, é o que se deseja.

De todos os modos, um verdadeiramente grande Benfica, à dimensão do seu poderio histórico e mítico, estaria hoje muito pouco preocupado em fazer "todos os sacrifícios" por Salvio.Estaria, porventura, mais empenhado em bater os 20 milhões da cláusula de rescisão de Falcão. Isso, sim, é que era grande. Até porque já não há amor à camisola.
   
Domingos Paciência vai estar em Dublin com todo o mérito a dirigir o Sporting de Braga na final da Liga Europa mas os adeptos minhotos já foram informados, com mais de uma semana de avanço, que o próximo clube do seu treinador é outro.

Inácio, que foi treinador campeão em Alvalade, já desejou felicidades a Domingos mas ressalvou um pormenor de grande importância: "Vamos ver se Domingos tem no Sporting parede para se segurar", disse. Não haja dúvida de que o futebol português tem muitas metáforas. Agora chegámos às metáforas da construção civil. Mas Inácio deve saber de que "parede" está a falar porque, certamente, não lhe faltou "parede" quando foi campeão com o Sporting.

Um rapazinho chamado Pizzi, nascido em Bragança, prestou um belo serviço à memória de
Jimmy Hagan e apontando de rajada três golos ao FCPorto conseguiu que o recorde do
treinador inglês se mantivesse imbeliscável, Hagan conduziu o Benfica ao título de campeão em 1972/1973, um campeão sem derrotas e apenas com dois empates.

Fraco consolo este para os jovens benfiquistas do presente. Salvou-se o velho recorde de Jimmy Hagan e ainda bem porque Hagan não merecia ser arrolado como destroço nesta época tão desastrosa do Benfica.

Villas Boas, no 3-3 de domingo com o Paços de Ferreira, também quebrou uma série muito vincadamente sua neste campeonato, Pela primeira vez conseguiu não ser expulso tendo empatado o jogo.

Nos dois empates anteriores, com o Vitória de Guimarães e com o Sporting, Villas Boas viu sempre o cartão vermelho e, inteligentemente, nas semanas que se seguiram a esse únicos contratempos,fez com que o mau terna dos pontos perdidos fosse substituído nas

conversas de rua e na comunicação social pelo bom tema da injustiça de que foi alvo o jovem treinador do FC Porto em defesa dos interesses da sua equipa.

Mas ao terceiro empate, com o título ganho, já nem valia a pena dar-se a tal trabalho. E também é verdade que o terceiro golo de Pizzi chegou apenas nos descontos.
Já nem deu tempo para pensar no assunto,

O futebol português reuniu - se em congresso na Maia e os árbitros tiveram direito à palavra. Vítor Pereira, o presidente da referida classe, fez uma afirmação interessante e que dá que pensar sobre o estatuto de amadorismo dos árbitros: "Ninguém é amador a ganhar 40 mil euros por ano. Os árbitros não são o parente pobre do futebol e em
alguns casos ganham mais do que alguns jogadores profissionais das competições oficiais."

Deve ser felicitado Vítor Pereira por revelar sem meias palavras uma realidade de que o adepto comum andava, por certo, distante de imaginar .
 
Seguindo uma lógica de mercado, os melhores árbitros portugueses são os que apitam mais vezes os jogos mais importantes e, por isso mesmo, são muito bem pagos.

Conclusão: acabou-se o tempo do amor à camisola.

Jorge Sousa, árbitro do Porto, também falou na Maia e escolheu como tema a liderança como requisito fundamental da arte de bem apitar. Para tornar as suas ideias mais claras, Jorge Sousa disponibilizou -se para se dar a si próprio como exemplo: "Se em nossa casa
quem manda é a nossa mulher dificilmente num jogo conseguiremos liderar" , disse.

Conclusão: ah, valente!
A propósito desta tirada de Jorge Sousa, tão rica de materiais sociológicos, vem - nos à ideia de que seria importante deixar os árbitros falar no fim de todos os jogos. Pois se são eles tão bem ou melhor pagos do que muitos jogadores profissionais; se são parte preponderante nos desafios, porque razão estão impedidos de assumir a sua merecida quota - parte de protagonismo deixando- nos ouvir as suas vozes formulando em voz alta os seus pensamentos?

Muitas vezes, para desculpar más decisões das equipas de arbitragem se diz que errar é humano e que sendo os juízes humanos também podem errar sem que venha ao mundo maior desgraça do que essa mesmo, a de errar. Mas, precisamente, para lhes conferir
perante o adepto comum o estatuto de humanidade era urgente ouvi-los falar todos os fins-de- semana. Ficavam iguais aos, demais, a jogadores, a treinadores, a presidentes, e deixavam de ser aquelas figuras misteriosas e silentes que emprestam tão pouco de si próprios à indústria.

No nosso futebol só conhecemos os raciocínios, os dons particulares de expressão, a lógica, as metáforas mais utilizadas, a eloquência, o saber estar dos árbitros quando estes acabam as suas carreiras e passam a comunicar directamente connosco através dos jornais onde
escrevem ou das estações de rádio e de televisão com quem colaboram.
E ai, sim, finalmente conhecemos de perto essas pessoas que, já não sendo árbitros, estão finalmente, autorizadas a revelar quem são, como pensam, como falam.

É, no entanto, tarde para o efeito de humanização pretendido. Por já não serem árbitros já não lideram o que importa e já estão, perante a opinião pública, num patamar abaixo do já de si incrivelmente baixo patamar das mulheres que não mandam nas suas casas .

E esta já é uma grande inferioridade. 

Edição de 12 maio de 2011

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