outubro 21, 2011
Por força da lei _ Ricardo Costa
Doping... mas não tanto
A guerra contra o uso de substâncias dopantes na atividade desportiva de alto rendimento continua. O endurecimento “global” das penas e as metodologias cada mais invasivas para surpreender fora de competição os prevaricadores são apenas as linhas mais visíveis de um combate contra a manipulação e a perversão do corpo. De todo o modo, também a guerra deve ter alguns limites de conteúdo inultrapassável, mesmo que as consideremos “não escritas” e não tenham uma expressa conformação legal, regulamentar ou estatutária. Uma delas é, a meu ver, o veto da estigmatização futura do atleta castigado. A que o direito não deve ficar alheio.
Em junho de 2008, a Comissão Executiva do Comité Olímpico Internacional (COI) decidiu estabelecer um “Regulamento de Participação nos Jogos Olímpicos”, associado ao art. 45.º da Carta Olímpica (“Programa dos Jogos Olímpicos”). Nele se determinou que os atletas suspensos por dopagem por um período superior a 6 meses não mais poderiam competir nas edições das Olimpíadas realizadas após o cumprimento do castigo. O princípio desse afastamento ficou conhecido como “Regra de Osaka”. Acontece que o Comité Olímpico dos EUA levou a validade desta regra ao Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) de Lausanne. Esta jurisdição chegou a uma decisão no passado dia 6 de outubro, julgando inválida e insuscetível de execução essa inibição do COI.
Os argumentos utilizados são fundados. Em primeiro lugar (dando continuidade à jurisprudência dominante do TAS), entende-se que estávamos perante uma “verdadeira” sanção disciplinar, que ia para além daquela já decretada pelas organizações competentes e cumprida no tempo de suspensão; logo, não estávamos perante uma estatuição que constituísse tão-só uma condição de admissão para competir nos Jogos Olímpicos; em suma, uma medida emanada sem competência e sem as garantias próprias do direito sancionatório, por um lado, e uma medida que viola a proibição da “dupla punição” pelo mesmo facto. Em segundo lugar, essa sanção viola o Código Mundial Anti-Dopagem, quando este proíbe a introdução de providências que modifiquem o efeito dos períodos de suspensão (art. 23.2.2.). Por fim, o TAS alegou que, fazendo esse Código parte integrante da própria Carta Olímpica, o regulamento da Comissão Executiva do COI era em si mesmo uma violação dos seus próprios estatutos.
Assim, atletas entretanto castigados e regressados à competição podem voltar à montra “maior” do desporto mundial. Um deles é o ciclista inglês David Millar, campeão do seu país, figura recorrente nas “camisolas” das principais competições e banido pelos responsáveis olímpicos do seu país depois de uma suspensão de dois anos. Confrontado com a deliberação do TAS, desabafou: “Cada caso de doping é diferente. Um castigo até ao fim da vida para punir uma primeira infração não encoraja a reabilitação e a formação, duas coisas necessárias para a prevenção futura da dopagem.” Quando retornou, já afirmara o que basta para nutrir o que comecei por defender ao início: “Quero ser um ícone do ciclismo limpo e um exemplo para os jovens.”
In Record
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