Marechal das redes
As tertúlias da bola sempre me fascinaram, sobretudo pelo seu carácter interclassista. Desde miúdo, seduz-me a transversalidade do futebol, essa coisa de ver (e ouvir) operários e intelectuais, magalas e domésticas, empregados e patrões, gente de todos os matizes a debitarem mais ou menos sabedoria, mais ou menos baboseiras sobre o mundo imenso do jogo das massas.
Quem era melhor? Di Stéfano, Pelé, Eusébio ou Maradona? Na actualidade, Messi ou Ronaldo? Peyroteo, Matateu ou José Águas noutros tempos? Simões, Chalana ou Futre mais recentemente? As unanimidades, no futebol, são ainda mais difíceis do que as goleadas. È difícil, muito difícil, comparar jogadores de tempos diferentes, de posições discrepantes, de nacionalidades distintas.
Talvez num posto específico, o de guarda-redes, a tarefa não encerre tanta dificuldade, tanta opinião desencontrada. Ainda assim, Azevedo ou Carlos Gomes? Bento ou Damas? E por que não Vítor Baía? Já a nível internacional, existe mesmo uma unanimidade. Ninguém com ligação mínima ao fenómeno da bola ousa questionar a preponderância de um guardião relativamente aos demais. O russo Lev Yashin, conhecido por Aranha Negra, foi o melhor de sempre. Era mão para toda a obra. Melhor, era mãos, o plural faz mais sentido.
Yashin enchia a baliza de autoridade elegante. Parecia usar fita métrica com precisão absoluta? Usava, seguramente, a força do posicionamento, a energia do embate, a pujança do prazer. As redes de Yashin eram defendidas sempre com alerta máximo, sempre com alma intensa. Havia nele uma dedicação brava, misto de amor e rancor. Havia nele sempre mais do que havia a mais nos outros.
O mundo do futebol teve o seu marechal das balizas. Há dois anos, em Moscovo, na companhia do Eusébio, participei numa romagem ao seu túmulo. Nessa minha deliciosa condição de soldado raso da bola.
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